Por - especial para o iG São Paulo |
A publicitária Anne Fonseca começou a amar sua filha Leia, hoje com dois anos, momentos após o parto. Já a fotógrafa Raquel Espigado sentiu um amor incontrolável pelo filho Rafael, de dez anos, exatamente 24 horas depois de saber que estava grávida – sendo que, ao longo desse dia anterior, chegou a rejeitar a ideia de ser mãe.
São muitas as histórias que as mulheres têm para contar sobre quando se
deram conta de que amavam seus bebês, e os relatos podem ser bem diferentes dos
de Anne e Raquel. Algumas dizem amar o filho desde o resultado do exame de
gravidez; outras, a partir de quando ouviram o coração dele batendo; outras,
ainda, precisam de um tempo – dias, às vezes meses – depois do nascimento para
se sentirem ligadas ao bebê que entrou em sua vida. É tudo normal. “Não tem
certo e errado, não dá para prever como será. Todas as relações são válidas e
nenhuma futura mãe deve se forçar a sentir o que pessoas de fora esperam”,
afirma a psicóloga e psicoterapeuta Cecília Zylberstajn.
“Cada pessoa está em um momento da vida, por isso existem tantas
possibilidades. Algumas planejam o filho, outras levam um susto quando
descobrem que estão grávidas”, explica a psicóloga Jacqueline Meireles. “E
mesmo quem está feliz com a gravidez pode ser tomada por uma preocupação que a
impeça de experimentar a gestação com o amor que esperava sentir”.
Dificuldades e superações
Foi o que aconteceu com Anne. Aos cinco meses, sua gestação foi
anunciada como de alto risco. “Eu estava bem assustada. No começo, queria muito
ter um parto normal, porque achava que isso me conectaria com a minha bebê, me
faria ter todo aquele amor. Mas fui obrigada a ter uma cesárea. Fiquei
desesperada, estava mais com medo do que com amor no coração. Só queria que
tudo desse certo e ela nascesse para que eu pudesse vê-la”, conta.
Este é o principal aspecto a que Jacqueline se refere quando fala de
imprevistos: “Em gravidez de risco, o medo da morte impede a mulher de viver
aqueles nove meses em sua plenitude”. A psicóloga também menciona a falta de
apoio familiar e de estabilidade financeira como fatores que podem levar a
futura mãe a demorar a manifestar amor pelo bebê.
Anne sentia a distância da família e a falta de amparo da saúde pública,
além de ter ganho peso rapidamente e não ficar confortável com quase nenhuma
roupa. “Tudo colaborou para que eu tivesse poucos momentos de ‘curtição da
barriga’”, acredita. Mas isso passou quando Leia nasceu. “Me avisaram que ela
estava bem, me mostraram seu rostinho e fiquei de lado na sala de parto. Lá vi
dois partos normais, e foi ali que percebi que havia chegado minha companheira,
minha amiga. Fui tomada por uma sensação maravilhosa de amor”, relata.
Tal emoção chegou mais rápido para Raquel. Insegura e sem o suporte do
pai da criança, mas com o apoio da mãe e da irmã, ela começou a amar seu bebê
um dia depois de receber o resultado positivo, completamente inesperado, do
exame de gravidez.
“Foram 24 horas rejeitando, chorando. Almocei com a minha mãe e, quando
voltamos para casa, ela disse que respeitaria minha decisão, que sentia que meu
filho estava na escuridão e que mandaria luz e amor para ele. E que, qualquer
que fosse minha próxima atitude, eu tinha que parar de chorar”, lembra. “Quando
acordei, inexplicavelmente, eu queria aquele filho mais do que qualquer coisa
no mundo. Amei-o e me senti conectada a ele durante toda a gestação”.
Faz diferença para a criança?
No longo prazo, amar o filho a partir do exame de gravidez positivo ou
meses depois do nascimento (no caso das mulheres que passam por depressão
pós-parto, por exemplo) não faz diferença para o desenvolvimento psicológico e
da autoestima positiva da criança.
“Esse filho só poderá ter problemas psicológicos se nunca tiver o amor
da mãe. Caso ela demore um pouco para encontrar o amor, mas o encontre, não
importa o início. É como começar a andar antes ou depois de completar um ano de
idade. Lá na frente, não faz diferença”, compara Cecília. Jacqueline
complementa: “Mesmo que a rejeição da mãe seja muito grande, se houver alguém
que supra esse amor – avó, tia, mãe adotiva –, as consequências não serão
sentidas”.
Idealização x realidade
Um ponto ressaltado por Cecília é que existe uma grande diferença entre
amor materno e amor pelo filho. “O primeiro é um amor pela ideia do filho, e
pode se desenvolver ao longo de marcos da gestação, como ouvir as batidas do
coração, sentir o feto mexer na barriga. O amor pelo filho só é fato depois que
o bebê nasce. Toda relação de amor é entre duas pessoas, precisa de contato
pele a pele, cheiro. O amor pelo filho é uma experiência muito física”, diz.
Por isso, ela garante que não há motivo para sentir culpa por não amar o filho
desde a gravidez. “É apenas uma expectativa social, não interfere na vida da
mãe”.
Anne se cobrava nesse sentido, mas encontrou uma forma de lidar com
isso. Ela conta: “Durante os exames e consultas, as outras grávidas estavam
sempre felizes, dizendo amar mais que tudo estarem grávidas e seus bebês.
Aquilo me incomodava muito e eu esperava resolver depois. Mesmo que não
sentisse o amor que as pessoas falavam, estava encantada e fazia o possível
para cuidar bem da gestação. Tanto que era de alto risco, mas Leia nasceu com
39 semanas e muito bem”.
Para o pai é diferente
Parte indispensável na geração de uma nova vida, o homem experimenta a
chegada de seu filho de maneira diferente – o que se deve principalmente à
ausência de vínculo físico ao longo dos nove meses de espera pelo nascimento.
“A mulher vai sentindo a concretude da existência do bebê dentro de seu corpo.
O homem normalmente só entende isso quando o bebê está na frente dele. Há até
alguns que só sentem amor pelo filho quando ele entra na fase de interagir, ou
seja, com meses de vida”, afirma Cecília.
Jacqueline concorda e alerta as futuras mães: é preciso deixar o pai
participar da gravidez e do começo da vida do recém-nascido o quanto ele
quiser. “Quanto mais o pai estiver presente, mais facilidade terá para
construir um relacionamento com o filho. Às vezes, a mulher o desestimula, por
achar que homem não consegue lidar com um bebê. Isso deve ser evitado, pois é
muito prejudicial no desenvolvimento do homem como pai e do bebê como filho
amado por ele”, finaliza.
Jacqueline Meireles
Psicóloga
Fonte: Site IGhttp://delas.ig.com.br/filhos/2014-04-01/quando-nasce-o-amor-dos-pais-pelos-filhos.html